– Eu posso ficar aqui um pouquinho?
A voz dele estava abafada, como se prendesse o choro ao respirar. Debaixo da franja que já estava chegando nos olhos, correu um rio seco que deixou um rastro.
– Claro que sim, kiddo. – Agora não tinha mais como continuar o trabalho. O passo mansinho e a voz anasalada indicavam que queria atenção. Então fingiu que estava digitando alguma coisa importante enquanto o menino acariciava mechas do seu cabelo.
– Que que aconteceu? Não estava brincando com o pessoal da rua?
Pausa. Alguém tentava respirar baixinho.
– Tô aborrecido.
Ela achou engraçado. Aborrecido era uma palavra que ele tinha aprendido naqueles dias, assistindo televisão.
– Mas como assim, aborrecido?
– Aborrecido. Eu estou aborrecido e não quero conversa. Quero ficar aqui quieto olhando você escrever.
Agora era sério. Se tivesse acontecido alguma bobagem, com certeza, um dramazinho já resolvia e depois de alguns chamegos o sorriso voltava, tudo estaria bem.
– Algum amigo seu fez malcriação com você?
– Não.
– Você caiu e se machucou?
– Não. (suspiro)
– Você quebrou algum brinquedo? O carrinho que ganhou de Natal?
– Nããããão, mããããe, nããão teeeeve nada.
– Bom, então eu não vou voltar a escrever até você me dizer o que aconteceu.
Ele ficou parado por alguns instantes, baixou a cabeça e respondeu.
– É que eu lembrei daquele filme que o menino perde o pai e pensei que ficaria muito triste se alguma coisa acontecesse com você.
– Hum, eu sei. Eu também ficaria muito triste. Mas olhe só, nada assim vai acontecer comigo. Na maioria das vezes que a gente fica imaginando coisas, nada acontece… é só imaginação. Entendeu?
Ele fez que sim com a cabeça para não contrariar. Das lágrimas restou só o olho vermelho, mas ele ainda estava carrancudo.
– Então, vai voltar lá pra baixo?
– Hum, não. Vou ficar aqui vendo você escrever.
Conto selecionado para participar da coletânea Prêmio Off Flip 2021.