Bolinha já tinha cento e nove anos completamente vividos com a sua família desde o nascimento. Foi o filho de Belinha, uma doce poodle toy que viveu até os cento e dezenove, muitíssimo amada na família, assim como o filhote.
Talvez porque fosse menino, Bolinha teve desde pequeno suas vontades realizadas. Todas as manhãs, latia pedindo para sair de casa e lhe colocavam para brincar no jardim. Quando se reuniam para o café da manhã lhe davam um pedaço de bolo, biscoito ou queijo, e assim ele aprendeu a pedir por comida. À noite, quando chorava para subir na cama, quem estivesse passando lhe carregava e lhe deitava no colchão macio. Era mais danado do que a própria mãe e aprendeu rápido a conseguir tais favores com uma ou duas rosnadas.
Mas com o avanço da idade chegaram também as dores no corpo e os pedidos de Bolinha se tornaram cada vez mais frequentes. Em casa passou a ter fama de rabugento. O que antes subia sem dificuldades, então já não tinha mais forças para escalar. Às vezes passava minutos resmungando até que alguém lhe carregasse e colocasse em cima do sofá.
A paciência de Bolinha também estava encurtando. Agora achava que os outros lhe tinham obrigação, quando antes usava de sedução e encantamento para fazer agirem em seu benefício. Se irritava com a dificuldade de realizar coisas simples e, do nada, começava a uivar. Uma zoadeira horrível tomava conta da casa, todo mundo corria tentando fazer Bolinha se calar. As vezes só acertavam o que ele queria depois de duas, três tentativas frustradas.
Certo dia, enquanto fazia a sesta após almoçar um pote de arroz e frango desfiado, o grupo de amigos do irmão mais velho chegou gritando dentro de casa, carregando um cheiro forte até para o nariz velho de Bolinha. Atordoado, ele começou a resmungar, mas ninguém lhe ouvia.
Mas de novo isso? Unh, unh, unnnh.
Fim de semana sim, fim de semana não, isso? Unnnnh.
Eu já não aguentam mais, não tenho mais idade para essa bagunça. Meus nervos, palpitações, espasmos por todo o corpo. Não consigo fugir dessa loucura. Cainnnnn.
Bolinha não conseguia atenção. Ninguém se importava com seus uivos e choros. Até sua irmã preferida aparecer lá no fim do corredor. Bolinha levantou com dificuldade e foi caminhando torto e devagar em direção ao quarto da garota.
Uuuunh, Gabriela. Aqui. Me pega aqui. Me pega aqui. Unh, unh, unnnh.
Surda! Eu vou ter que andar até lá. Unh, unh, Gabriela!
Não feche a porta, menina. Tomara que ela não feche a porta. Ei, me leva com você. Unh, unh, uuunnnh.
Na entrada do cômodo, Bolinha olhou para a humana com olhos esbugalhados como quem pedia socorro. Gabriela o tomou nos braços e o carregou próximo ao peito. Bolinha tremia.
Lambida, lambida, lambida, lambida.
Obrigado, Gabriela, obrigado.
Lambida, lambida. Me coloca ali em cima da sua cama?